O conceito simbólico da fita de cetim do Dia Mundial da Luta Contra AIDS.

Viver com HIV/AIDS?

Por Jean Carlos de Oliveira Dantas.

“A vida é maravilhosa”, anuncia o canto da voz otimista, que não cessa de afirmar a graça daquilo que nos mantem acesos em nossa humanidade. A vida, pode ser tudo, inclusive uma grande colcha de retalhos formada por momentos livres ou presos, coloridos ou opacos, agitados ou calmos, leves ou pesados e, doentes ou sadios marcados pela presença ou ausência de agentes patológicos em nosso corpo e alma, como o vírus HIV.

Na vida, o HIV/AIDS, em muitos momentos, pode ser vivenciado como um peso suportado pela alma que faz o corpo suar em passos lentos, numa caminhada incerta em busca de sua sobrevivência. Penso, que esse peso pode ser percebido como uma tatuagem colorida que foi desenhada sobre um corpo que não queria ser objeto dessa injusta obra de arte.

O corpo foi marcado!

Neste momento, a sociedade cria mais um corpo social marcado e condecorado pelo HIV/AIDS. A marca é o estigma que, no momento do resultado dado pelo(a) profissional de saúde, vai lhe machucar toda sua ancestralidade, produzindo-lhe angústia e ansiedade, pois a sua finitude se apresentou sem ser convidada. O corpo passa a ser percebido por si mesmo, como corpo diferente da massa humana mecanizada pelas individualidades doentias ao qual está inserido. Mas, apesar de tudo isso, o corpo questiona: como não ser aquilo que não desejo ser?E como não ser percebido por aquilo que não desejo confidenciar? Como viver com aquilo que não gostaria de viver? E, a chave da questão: como viver com a marca do HIV/AIDS, sem que ela seja a coisa mais importante para si?

Entre seus questionamentos, o corpo é tomado de suor, pois lembra que és a morada da pessoa. Uma verdade singular que lhe foi atribuída por toda delicadeza de Deus.

Num lapso de sentidos aguçados, a pessoa começa a pensar que a terminologia “Viver com HIV/AIDS”, deixa de fazer sentido para si, pois és uma pessoa, com todas qualidades e defeitos inerentes a condição humana e, com outras potencialidades que deveriam ser mais destacadas e lembradas do que um vírus que vive em seu organismo. É evidente, que ser soropositivo(a) para o vírus HIV lhe coloca numa situação de atenção com a saúde, por vezes, mais do que as outras pessoas soronegativas para o HIV. Apesar de essas também serem assediadas por outros agravos à saúde. A ingestão de remédios, a manutenção dos níveis de CD4/Carga Viral e a prevenção de doenças oportunistas, são medidas de cuidado que detém um certo tempo da atenção da pessoa, mas apesar de serem fundamentais e importantes, elas devem ser compatíveis com outras ações que gerem felicidade e bem estar, de acordo com os papeis que que cada um exerce no seu cotidiano.

A pessoa desempenha vários papeis no cotidiano, como o de filho, de esposa, de profissional, de mãe, de pai, de amante, de namorada, de religioso, de liderança política, de amigo da onça, de portador de um vírus que pode ser controlado e, de outros tantos que vamos acumulando ao longo de sua história. Tem papeis que são mais importantes para a pessoa do que outros e, essa escolha está muito ligada a seu modo de ser e estar no mundo, como por exemplo: uma pessoa que vive para o trabalho, valoriza mais o seu papel de profissional do que de marido ou esposa, por mais que isso lhe custe inconscientemente ou não, a saúde do seu corpo e a ausência da família.

No papel de paciente, usuário ou cliente de um serviço de saúde especializado em HIV/AIDS e, também em outros campos e lugares de atuação, é costume a pessoa se colocar como “Pessoa vivendo com HIV/AIDS”. Essa forma de identificação e de representação de um papel centrado num vírus, tem me provocado algumas reflexões nestes últimos anos, pois penso: será que a pessoa quando fala está colocando o vírus num lugar privilegiado de sua vida? Será que o vírus é mais importante do que a pessoa? Será que a pessoa se vê como um vírus? Será que o vírus jogou a sua humanidade para segunda ordem? Será que não existe nenhum papel mais importante que a pessoa representa em sua vida?
Você deve estar pensando, é só um jeito de falar que se tem um vírus no organismo como todo mundo fala, mas será que esta é melhor fala que expressa a relação da pessoa com o HIV/AIDS?

O texto não se propõe a trazer um novo conceito para a ser utilizado pela pessoa, no momento em que ela diz que possui um vírus no seu organismo, mas propor uma reflexão sobre o que pode estar por traz do conceito “Viver com HIV/AIDS”.

A pessoa é mais importante do que um vírus.

Jean Carlos de Oliveira Dantas é psicólogo, mestre em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo.

Postagem original em

http://prodiversidade.org.br/2020/06/27/viver-com-hiv-aids/

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